Mário de Miranda Quintana foi um poeta, tradutor e jornalista brasileiro.
Mário Quintana fez as primeiras letras em sua cidade natal, e em 1919 mudando-se para Porto Alegre onde estudou no Colégio Militar, publicando ali suas primeiras produções literárias. Trabalhou para a Editora Globo e depois na farmácia paterna.
Maravilhas nunca faltaram ao mundo; o que sempre falta é a capacidade de senti-las e admirá-las.
Uma vida não basta apenas ser vivida: também precisa ser sonhada.
Morrer é simplesmente esquecer as palavras.
Eu estava dormindo e me acordaram
E me encontrei, assim, num mundo estranho e louco...
E quando eu começava a compreendê-lo
Um pouco,
Já eram horas de dormir de novo!
Quando abro a cada manhã a janela do meu quarto
É como se abrisse o mesmo livro
Numa página nova...
O café é tão grave, tão exclusivista, tão definitivo
que não admite acompanhamento sólido. Mas eu o driblo,
saboreando, junto com ele, o cheiro das torradas-na-manteiga
que alguém pediu na mesa próxima.
A indulgência é a maneira mais polida de desprezar alguém.
Olho em redor do bar em que escrevo estas linhas.
Aquele homem ali no balcão, caninha após caninha,
nem desconfia que se acha conosco desde o início
das eras. Pensa que está somente afogando problemas
dele, João Silva... Ele está é bebendo a milenar
inquietação do mundo!
A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa,
Como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo.
Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali...
Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!
Há noites que eu não posso dormir de remorso por tudo o que eu deixei de cometer.
O poema
Mas por que datar um poema? Os poetas que põem datas nos seus poemas me lembram essas galinhas que carimbam os ovos...
O mais feroz dos animais domésticos é o relógio de parede: conheço um que já devorou três gerações da minha família.
Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
– para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.
Um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente... e não a gente a ele!
Na mesma pedra se encontram,
Conforme o povo traduz,
Quando se nasce - uma estrela,
Quando se morre - uma cruz.
Mas quantos que aqui repousam
Hão de emendar-nos assim:
"Ponham-me a cruz no princípio...
E a luz da estrela no fim!"
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
Poeminho do Contra
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!
Tudo o que acontece é natural - inclusive o sobrenatural.
Três amores... Quem me deu
Tão estranha sorte assim?
Três amores, tenho-os eu
E nenhum me tem a mim!
Tão bom morrer de amor! E continuar vivendo...
Sonhar é acordar-se para dentro.
Só a poesia possui as coisas vivas. O resto é necropsia.
Senhora, eu vos amo tanto
Que até por vosso marido
Me dá um certo quebranto.
Sempre me senti isolado nessas reuniões sociais: o excesso de gente impede de ver as pessoas...
Se um poeta consegue um dia expressar as suas dores com toda a felicidade como é que poderá ser infeliz?
Se eu amo o meu semelhante? Sim. Mas onde encontrar o meu semelhante?
Se alguém te perguntar o que quiseste dizer com um poema, pergunta-lhe o que Deus quis dizer com este mundo...
Quem pretende apenas a glória não a merece.
Qual Ioga, qual nada! A melhor ginástica respiratória que existe é a leitura, em voz alta, dos Lusíadas.
A saudade é o que faz as coisas pararem no tempo.
O tempo é um ponto de vista. Velho é quem é um dia mais velho que a gente...
O ruim dos filmes de Far West é que os tiroteios acordam a gente no melhor do sono.
O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso passado: é este pressentimento de que ele venha a ser nosso futuro.
O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso.
O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente...
O grande consolo das velhas anedotas são os recém-nascidos...
No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento...
Mas, afinal, para que interpretar um poema? Um poema já é uma interpretação.
Não me ajeito com os padres, os críticos e os canudinhos de refresco: não há nada que substitua o sabor da comunicação direta.
Pergunta errada
Se eu acredito em Deus? Mas que valor poderia ter minha resposta, afirmativa ou não? O que importa é saber se Deus acredita em mim.
Minha vida é uma colcha de retalhos. Todos da mesma cor.
Há uns que morrem antes; outros depois. O que há de mais raro, em tal assunto, é o defunto certo na hora exata.
Há 2 espécies de chatos: os chatos propriamente ditos e os amigos, que são os nossos chatos prediletos.
Esses padres conhecem mais pecados do que a gente...
E um dia os homens descobrirão que esses discos voadores estavam apenas estudando a vida dos insetos...
DOS MILAGRES
O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo...
Nem mudar água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!
Dizes que a beleza não é nada? Imagina um hipopótamo com alma de anjo... Sim, ele poderá convencer alguém da sua angelitude – mas que trabalheira!
Democracia? É dar, a todos, o mesmo ponto de partida. Quanto ao ponto de chegada, isso depende de cada um.
De um autor inglês do saudoso século XIX: O verdadeiro gentleman compra sempre três exemplares de cada livro: um para ler, outro para guardar na estante e o último para dar de presente.
DA OBSERVAÇÃO
Não te irrites, por mais que te fizerem
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio.
DA FELICIDADE
Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura
Tendo-os na ponta do nariz!
Bilhete
Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...
Mas o que quer dizer este poema? - perguntou-me alarmada a boa senhora.
E o que quer dizer uma nuvem? - respondi triunfante.
Uma nuvem - disse ela - umas vezes quer dizer chuva, outras vezes bom tempo...
A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda.
A arte de viver é simplesmente a arte de conviver... simplesmente, disse eu? Mas como é difícil!
A amizade é um amor que nunca morre.
A alma é essa coisa que nos pergunta se a alma existe.
A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas.